O PRESENTE
Ubirajara Godoy Bueno
Colocou o pacote sem identificação sobre a mesa da sala e, com cuidado, passou a retirar as fitas adesivas e o laçarote vermelho. Seria imperdoável danificar um papel tão bonito. Encontrara o presente na varanda, junto ao vaso de antúrios.
Dolores procurava atinar sobre quem havia deixado o pacote. Tinha poucos amigos e não lhe ocorria qual deles se preocuparia com tal coisa. Receber presentes deixara de ser um acontecimento comum em sua vida.
Talvez um admirador anônimo. O pudor corou-lhe a face.
Sem remetente. Não seria uma brincadeira de mau gosto? Afastou-se da mesa e apanhou a carteira de cigarros, mas desistiu de fumar e voltou à caixa. Procurou avaliar seu peso. As mãos trêmulas, quase sem coordenação, começaram a desfazer lentamente as dobras do papel. Certamente não se tratava de uma pilhéria. Estava se tornando uma mulher preocupada e tola. Um admirador e sua prova de afeição era o mais provável. Afinal, lhe restavam virtudes. Conservava alguma beleza, ainda que camuflada pelo abandono. Mesmo assim, temia uma decepção.
Resoluta, recolheu a caixa e guardou-a em um armário. Era preferível desta forma ao risco de um sonho desfeito. Deixaria a ideia de ser amada animar seu coração, ainda que fosse apenas uma párvoa fantasia.
* * *
DATA DA PRODUÇÃO: 1990 — PUBLICAÇÃO: “NOSSO ESPAÇO” – Revista Rhodia (Santo André – SP) – 12 / 1990 — Jornal ADC Rhodia — Ano III — Ed. 29 — agosto/1997 — REGISTRO: Fundação Biblioteca Nacional – Escritório de Direitos Autorais no 205.836 - Livro 356 - Folha 496 - Data: 21/07/2000.
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