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sábado, 7 de maio de 2011

O LIVRO MÁGICO

O LIVRO MÁGICO

Ubirajara Godoy Bueno

Era uma vez...
(de uma história qualquer)

Aos contadores de histórias

            Um dia destes, ao visitar minha avó, encontrei-a organizando um velho armário; o mesmo móvel que eu, quando menina, costumava explorar em busca de algum objeto interessante. Suas prateleiras estavam abarrotadas de ferramentas, apetrechos de pesca e outras coisas que, na maioria, pertenceram ao meu avô. Muitos daqueles objetos me eram familiares. Enquanto minha avó depositava-os no tapete, eu examinava alguns deles e podia associá-los imediatamente às minhas lembranças.
         Percebendo meu interesse, ela retirou uma pequena mala do armário e a entregou-me com um sorriso. Sugeriu que eu usasse a cadeira da varanda e voltou a se ocupar com a arrumação.  
         Fui até a varanda e sentei-me na espreguiçadeira, cujo assento de lona listada era o mesmo de antigamente. Curiosa em saber o que continha a mala, coloquei-a em meu colo e rapidamente abri a sua tampa munida de um pequenino fecho enferrujado. Lá estava o caleidoscópio que meu avô fizera para me entreter durante os dias em que passei na sua casa, recuperando-me de uma catapora. Depois, deparei com o meu caderno de desenhos e os bordados em cartolina da época do primário e surpreendi-me ao ver intactas minhas primeiras dobraduras de papel, cuidadosamente conservadas em um estojo de madeira.
         Fiquei deveras emocionada em saber que minha avó conservara aquelas lembranças por tantos anos. Sentia-me como uma criança que encontra seus brinquedos perdidos.
         Mas foi o livro mágico que me saltou aos olhos com mais intensidade. Reconheci-o imediatamente. Um volume de capa marrom, com nódoas escuras e inscrições douradas bastante desgastadas, o que tornava o seu título ilegível.
         Meu avô, com aquele livro em mãos, costumava sentar-se na espreguiçadeira enquanto eu, ao seu lado, ocupava uma cadeirinha de balanço. Após ajustar os óculos miúdos na ponta do nariz e algumas tossidelas para ajustar a voz, ele abria o livro e iniciava a leitura de uma história. Eram contos maravilhosos de fadas, duendes, gnomos, gigantes...  À medida que lia, gesticulava, mudava a expressão do rosto, alterava o tom da voz conforme a fala de cada personagem, como se as incorporasse. Tudo isso me encantava de tal maneira que eu podia visualizar à minha volta todas aquelas criaturas fantásticas.
         Finalizada a leitura, ele consultava as próximas páginas e me adiantava alguma coisa sobre a próxima história. Uma espécie de trailer, que me deixava ansiosa para o próximo encontro. Invariavelmente, as narrativas eram fascinantes. Duas ou três vezes por semana eu visitava a casa dos meus avós, distante da minha alguns poucos quarteirões, e esta rotina foi seguida durante muito tempo.
         Recordo-me que certa vez pedi a ele para que me deixasse pegar o livro. Com ar grave, me revelou que aquele livro era mágico e se alguém, além dele, viesse a tocá-lo ou ver suas páginas, as letras desapareceriam.  Este argumento serviu para instigar ainda mais minhas fantasias e ao mesmo tempo conter minha curiosidade. Tudo isso foi há quinze anos ou pouco mais, mas posso recordar-me com precisão de todos os detalhes.
          Apanhei o livro da mala, o qual julgava há muito tempo perdido, e sobracei-o com carinho. Mal podia acreditar que me seria possível recordar suas histórias.
         Sempre considerei meu avô um contador de histórias formidável. Mas eu estava prestes a descobrir que seu talento ultrapassava esta habilidade.
         Folhei o livro uma vez, duas vezes e mais uma vez, diante dos meus olhos incrédulos. O que encontrei impressos em suas páginas amareladas eram tão somente receitas culinárias.
* * *
DATA DA PRODUÇÃO: Agosto/2009  —  REGISTRO: Fundação Biblioteca Nacional – Escritório de Direitos Autorais No  474.325   -   Livro 894  -  Folha 134  -  Data:  06/10/2009.




















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