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sábado, 7 de maio de 2011

ATRÁS DO MURO

ATRÁS DO MURO

Ubirajara Godoy Bueno



Não se podia fiar nas histórias contadas pelo velho Caminuto e seu compadre Tenório, mas tão bem entretinham os ouvintes que essa questão perdia importância.
       Numa noite destas, foi Tenório que principiou um caso curioso quando os fiéis ouvintes se reuniam ao pé de uma fogueira:
      — Este fato sucedeu há algum tempo e o que me faz, agora, lembrar dele é o vermelhidão do fogo alumiando a cara do compadre.  
      Os olhares, cheios de consideração, se voltaram para o velho Caminuto, como se reverenciassem aquele rubor responsável por suscitar a narrativa que prometia ser das mais interessantes. Caminuto, por sua vez, enfunou o peito ensaiando uma pose condigna com o mérito que lhe cabia; mas recatou-se ressabiado. Achou melhor aguardar a marcha dos acontecimentos antes de qualquer manifestação. 
     — Viajava eu a cavalo, de madrugada, pela estrada do Girino — prosseguiu Tenório, abastecendo o cachimbo. — Quem conhece o lugar sabe que lá existe um muro muito alto e comprido que margeia a estrada por uns duzentos metros. Dizem que o muro foi construído por um fazendeiro para que viajantes e peões não deitassem os olhos em suas cinco filhas, todas agraciadas com beleza e formosura. O pai ciumento proibia as pobres moças de saírem da fazenda, a não ser em sua companhia e, assim mesmo, somente dia de finados para visitarem o túmulo da mãe. A ciumeira era tanta que na casa e na terra só trabalhavam mulheres. Vendedores de estrada eram enxotados tão logo davam as caras na porteira. Afora alguns parentes, não recebiam visitas. Aconteceu, certo dia, das irmãs fugirem ao mesmo tempo para algum confins deste mundo de Deus. O fazendeiro ficou tão atarantado com o ocorrido que acabou morrendo louco. A fazenda, abandonada, virou tapera e por fim desapareceu de vez. Dela, só ficou aquele muro, igual vaso ruim que não se quebra. Falam que é assombrado e quem de noite passa por ele e se atreve a ver do outro lado, por curiosidade ou qualquer outro motivo, se depara com a alma penada do fazendeiro, como se o falecido ainda resguardasse as filhas dos passantes da estrada. Que seu espírito se assossegue.
     E diante deste rogo, Tenório tirou o chapéu e fez o sinal da cruz sobre o peito, sendo imitado pelos ouvintes. Deu uma tossidela, pigarreou para limpar a garganta e, alteando um pouco a voz, retomou a parte que lhe dizia respeito:
     — E foi justamente quando eu seguia bem junto ao muro que escutei uns barulhos vindos do outro lado. Parei o cavalo de supetão, apurei os ouvidos e lá fiquei, quieto, assuntando. O que veio depois foi só um farfalhar de mato. Bicho não era, deduzi logo, pois eu podia jurar ter escutado um fungar de gente, o que me deixou mais cismado. Como não sou homem de deixar as coisas mal resolvidas, tomei a decisão de espiar o que estava acontecendo. Era lua cheia e claridade não faltava. Como o muro era muito alto, fui obrigado a me erguer sobre o cavalo. Com os pés sobre a sela e as mãos apoiadas no muro, fui me levantando devagarzinho. Senti um fedor de enxofre queimado ou coisa parecida e fiquei meio zonzo com aquele cheiro danado. Foi por um triz que não perdi o equilíbrio e despenquei de cima do animal. Aprumei novamente o corpo e fui me esticando. No mesmo instante que minha cabeça despontou por cima do muro, me apareceu diante dos olhos, a um palmo do nariz, uma cara medonha. Tinha o nariz feito pimentão, olhos esbugalhados, a barba e os cabelos desgrenhados eram vermelhos que nem fogo. Criatura mais feia nunca vi, como se as labaredas do inferno alumiassem sua fuça. “Arreda coisa ruim”, gritei, e caindo sentado sobre a sela, cravei a espora no cavalo. Num piscar de olhos, fugi a galope.
      Difícil dizer se o súbito faniquito de Caminuto era efeito da narrativa ou de outra coisa que lhe incomodava. 
      — Não sei se aquele muro é assombrado, mas posso jurar de pés juntos que aquela criatura não era deste mundo  —  finalizou Tenório, levando fogo ao cachimbo.
       — Não carece jurar compadre Tenório — interveio Caminuto. — Certa vez conheci um sujeito que passou por uma situação igualzinha neste mesmo lugar, quando de pé sobre o cavalo verificava o motivo de alguns ruídos do outro lado do muro. Foi nesta hora que também viu, cara a cara, um fantasma mais feio que lobisomem, o que vem confirmar que esse tal muro é mesmo assombrado. O pobre homem quase morreu de susto. Não me lembro do seu nome, só posso dizer que era um caboclo alentado, de venta grande, com barba e cabelos mais vermelhos que urucum. A única diferença com o que sucedeu com o compadre, se bem me lembro, é que ele estava na banda de lá do muro, pois o coitado, por precisão, teve que sair às pressas da estrada e por ali se enveredar
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DATA DA PRODUÇÃO:  Maio/2008  —  REGISTRO: Fundação Biblioteca Nacional – Escritório de Direitos Autorais No  474.325  -  Livro 894  -  Folha 134  -  Data: 06/10/2009

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