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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Algumas poesias

LAMPEJOS


Ubirajara Godoy Bueno




Qualquer semelhança com poesia é mera pretensão.



O anjo

Numa noite de insônia e amarguras,
Rondou-me o leito, tão discreto que mal notei,
Um anjo peregrino a sondar minhas desventuras;
E antes que se fosse, ao visitante perguntei:

— Haverá uma cura para minha infinda agonia?
Conforto ao meu coração, onde a tristeza se aninha
E desta antiga dor atroz não se alivia?
Sem uma nesga da paz que um dia foi minha.

Murmurou então o anjo, curvando-se em meu leito,
Cerrando-me os olhos com a mão esguia e lívida:
— Não há para este viver alívio de bom efeito,
Dar-te-ei, agora, o descanso no Éden de outra vida.   

Publicado pela primeira vez no jornal  “Associação Desportiva Classista Rhodia —
ADC Rhodia — Ano III,  Ed. 30, setembro de 1997.  




O cão

Confesso ter ouvido, com certa apreensão,
O que me pareceram vozes fantasmais.
Tola imaginação, apenas o uivar de um cão;
Não há o que temer em ganidos tão banais.

Debruçando-me à janela, lá fora avistei
Nada além do pobre diabo ainda a uivar.
Um cão comum, sem eira nem beira, pensei,
Se não me engana, em demasia, a luz do luar.

O vento em remoinho revolviam
Seus pelos reluzentes e eriçados. 
As orelhas compridas e eretas sugeriam,
Vejam que bobagem minha, chifres aguçados.

A cabeça parecia uma careta de órbitas vazias.
E nestes olhos negros sequer reconheci
Um lampejo de vida, apenas duas covas sombrias.
Olhos medonhos que nunca esqueci.  
           

Publicado pela primeira vez em prosa (1985).



A teia


A aranha faceira tece a sua nova teia
Como se fosse a mais hábil rendeira.        

Que tanto mexe e aborrece,
Em tão ousada brincadeira,
A aranha que apenas tece,
Esta mosca zombeteira?
Zumbindo, volta e meia,
Lança-se de todas as maneiras
E de seus feitos se alteia
Voando com asas ligeiras.

A aranha trabalhadeira continua a teia
Como se fosse incansável rendeira 

A mosca de jeito pedante,
E com ares de galhofeira,
Já cansada e ofegante,
Vai cessando a brincadeira.

Tranquila, e a tudo alheia,
Parte a mosca sorrateira.
Mas antes ainda zombeteia
Numa volta derradeira.

A aranha, numa carreira, termina a teia
Como se fosse a mais rápida rendeira.

E no lugar antes vazio,
Por onde a mosca se esgueira,
Permeia um longo fio
Como uma invisível barreira.

Fio que de manso no ar meneia
Pendendo da renda traiçoeira
E, de súbito, a mosca enleia
Envolvendo-lhe por inteira.

A aranha matreira, agora, descansa na teia
Como se fosse a mais ardilosa rendeira.




Perdão

Quem dera eu voltar no tempo
E ver a mim mesmo criança.
Tomá-la-ia nos braços e lhe pediria perdão
Pelos meus desatinos e descrenças
Que aos poucos destruíram
Todos os seus sonhos e esperanças.

 

Indiferença


Arredo os espinhos dos caminhos meus
com este coração empedernido que já não os percebem;
mas também lhe são indiferentes, Oh! Deus,
as rosas que nos mesmos ramos florescem.

 

Saudade

Saudade, mosca impertinente,
voa aqui e ali e, de repente,
pousa na ferida
da lembrança mais doída.



Espelho

Neste espelho me vejo
de beleza menos carente.
Este espelho não sei se fiel,
ou apenas benevolente.


Embora muito bela,
lapidada com esmero,
vive tão sozinha
engastada num solitário.


...

O sapo, a mosca
A mosca, o sapo
O sapo...  o sapo.



— material não disponível em PDF

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