POST MORTEM
Ubirajara Godoy Bueno
O seu semblante revelava um espírito livre de preocupações. Cada músculo, cada vinco do seu rosto, moldava-se precisamente numa expressão de franca alegria, e quem o visse sorrindo ou mesmo em seus momentos de quietude, não duvidaria de que era um homem a quem a vida não poupara felicidades.
Mas este homem escondia na alma uma tristeza indescritível, como uma dolorosa e incurável ferida que, ao menor descuido, poderia se abrir e matá-lo em pouco tempo. Assim, cuidava de protegê-la, ocultando-a sob uma rígida máscara de falsa felicidade, como um escudo sólido e impenetrável. Não que a morte lhe importasse, mas certas obrigações levavam-no a preservar a vida.
Aprendera a enganar a angústia, a dissimulá-la com extraordinária habilidade, e tão bem treinara este artifício e se acostumara a ele, que mantinha esta postura mesmo em suas horas mais íntimas.
Desnecessário discorrer a respeito dos motivos de seu sofrimento, apenas dizer que certo acontecimento mudara o curso de sua vida e lhe embotara o prazer de viver.
Um dia, por razão incerta, este homem morreu.
Morto, extinguira-se a força que mantinha a serenidade e a alegria do seu semblante. Aos poucos, afrouxaram-se os nervos, libertando-lhe a face verdadeira. O rosto lentamente se metamorfoseou numa horrível expressão de tristeza. E aqueles que o viam afastavam os olhares, horrorizados por tão deprimente e insuportável visão.
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DATA DA PRODUÇÃO: ABRIL – 2010 — REGISTRO: Fundação Biblioteca Nacional – Escritório de Direitos Autorais No 205.836 - Livro 356 - Folha 496 - Data: 21/07/2000
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