HISTÓRIAS PUERIS
Ubirajara Godoy Bueno
“Se vocês não se converterem,
e não se tornarem como crianças,
nunca entrarão no Reino do Céu”
(Mateus 18,3)
O nosso variado vocabulário nem sempre garante a perfeita comunicação e, dependendo do locutor, ou mais especialmente do ouvinte (pelo menos no caso que discorrerei a seguir), pode-se ter as mais homéricas confusões.
Certa vez, minha mulher, acompanhando nosso filho em seu primeiro dia de aula, rezava a ladainha de praxe. Entre outras coisas, alertava:
– Não quero ver nenhuma orelha em seus cadernos novos.
O pequeno manteve-se calado durante o resto do percurso, parecendo deveras preocupado com a recomendação da mãe.
Alguns dias depois, minha mulher e eu examinávamos seus cadernos. Começamos com o de desenhos, sua atividade preferida. Gatos, cachorros, cavalos e outros animais tinham sido desenhados e coloridos com admirável capricho, porém, todos desprovidos de orelhas. O que não faltavam eram as dobras nos cantos das folhas.
*
Apesar da esperteza e do discernimento dos pequenos, que parecem mais surpreendentes e precoces a cada geração, são comuns, nos primeiros confrontos com o mundo moderno, alguns... desentendimentos de ordem técnica. Vejamos alguns exemplos:
Recentemente levei meu caçula, com seis anos de idade, para assistir a uma partida de futebol. Até então, o garoto só tinha assistido aos jogos pela televisão.
Chegamos cedo ao estádio e lá ficamos observando as torcidas alegres e barulhentas, farfalhando as bandeiras. Houve até espetáculo pirotécnico. O garoto vibrava. Tudo isso ao vivo era muito diferente e mais emocionante do que quando assistido na telinha.
Finalmente o árbitro autorizou o início da partida e um gol foi marcado nos primeiros minutos. A euforia da comemoração é contagiante. Pulamos e gritamos como velhos frequentadores de estádios, mas tão logo o jogo recomeçou, percebi que o garoto aquietou-se. Parecia intrigado e apreensivo. Pouco depois me cutucou o braço e perguntou desapontado:
Não vai mostrar o replay ?
—
Não faz muito tempo, meu amigo César contou-me que seu filho Bruno, de quatro anos, tinha efetivamente acabado com os peixes de seu aquário.
Sem a presença dos pais, o garoto retirou os peixes da água e colocou-os sobre o tapete da sala. O saltitar dos bichinhos deve tê-lo entretido durante uns poucos minutos.
Quando meu amigo chegou, depois de algum tempo, e deparou com seus libistis e paulistinhas totalmente imóveis no chão da sala, perguntou ao filho com o seu jeito mineiro:
O que aconteceu?
O garoto olhou preocupado para os peixes, depois, colocando as mãos na cintura respondeu, como se desse uma explicação altamente técnica ao pai:
Acabou a pilha.
* * *
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